Meridiano de Poesia
Aqui nesta praia onde Não há nenhum vestígio de impureza, Aqui onde há somente Ondas tombando ininterruptamente, Puro espaço e lúcida unidade, Aqui o tempo apaixonadamente Encontra a própria liberdade. Sophia de Mello Breyner
12 julho 2021
21 junho 2021
O melro
O melro, eu conheci-o.
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar d’entre o arvoredo
Verdadeiras risadas de crista.
E assim que o padre cura abria a porta
Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias,
O melro d’entre a horta
Dizia-lhe: “Bons dias!”
E o velho padre cura
Não gostava daquelas cortezias.
O cura era um velho conservado,
Malicioso, alegre, prasenteiro;
Não tinha pombas brancas no telhado,
Nem rosas no canteiro,
Livre de reumatismo,
Graças a Deus, e graças a Noé.
O melro desprezava os exorcismos
Que o padre lhe dizia:
Cantava, assobiava alegremente,
Até ultimamente
O velho disse um dia:
“Nada, já não tem geito! Este ladrão
Dá cabo dos trigaes!
Qual seria a razão
Por que Deus os melros e os pardaes?!”
E o melro no entretanto,
Honesto como um santo,
Mal vinha no oriente
A madrugada clara
Já elle andava jovial, inquieto,
Comendo alegremente, honradamente,
Todos os parasitas da seara
Desde a formigão mais pequeno insecto.
E apezar disto o rude proletário,
O bom trabalhador,
Nunca exigiu um augmento de salário.
Que grande tolo o padre confessor!
(…)
Abílio Guerra Junqueiro in Primores da Poesia Portugueza - 1924
(Livraria Quaresma - Editora - Rio de Janeiro)
05 julho 2020
18 junho 2020
Catilina
Rasguei toda a vaidade tira a tira
E caminho sem medo e sem mentira
À luz crepuscular do meu instinto.
De tudo desligado, livre sinto
Cada coisa vibrar como uma lira,
Eu - coisa sem nome em que respira
Toda a inquietação dum deus extinto.
Sou a seta lançada em pleno espaço
E tenho de cumprir o meu impulso,
Sou aquele que venho e logo passo.
E o coração batendo no meu pulso
Despedaçou a forma do meu braço
Pr’além do nó de angústia mais convulso.
Sophia de Mello Breyner Andresen in Dia do Mar
10 junho 2020
01 junho 2020
A casa do Mar
Sophia de Mello Breyner Andresen in Histórias da Terra e do Mar
31 janeiro 2020
09 janeiro 2020
O Grande Gatsby
F. Scott Fritzgerald in O Grande Gatsby
25 novembro 2019
02 novembro 2019
Execução Inútil
O alvo humano, que era livre e móvel, cai. Arrasta-se pelo asfalto. Outro tiro. Nova dor. O alvo se contorce, ainda respira.
Mais um tiro. E mais um.
O alvo, agora imóvel, pela força do que é certo se liberta. Suas ideias sobrevivem em outro alvo, livre e móvel, que se multiplica em outros tantos renascidos da verdade.
Impossível acertá-los todos. Inútil insistir, senhores.
O alcance da arma é a queda aparente. Nenhum tiro vai além.
Nenhum.
Francisco Azevedo in eusoueles
06 agosto 2019
19 julho 2019
A História de ARQUITAS
Platão bateu à porta, pediu para entrar. Trazia um livro, escondido. Entregou-o a Arquitas, o Hospitaleiro. Este recebeu os dois: o livro, com a forma desse tempo, e o sábio.
O livro era Margites, a comédia escrita por Homero.
- É o único exemplar - disse Platão -, entrego-to. Guarda-o como guardas a tua filha: com a vida!
Não explicou a razão de tanto segredo; não explicou a razão para não divulgar o livro mais procurado, a terceira obra-prima de Homero. Disse apenas:
- Não sou capaz de destruir o belo, mas não posso difundir. O belo corrompe o justo.
- Que não morra - disse ainda - , mas que não se multiplique. Que não se multiplique, mas que não morra!
Arquitas era exemplar na hospitalidade: não fez perguntas.
Guardou o livro no cofre, disse a Platão para descansar, ofereceu-lhe cama.
- Defenderei o livro como defendo a minha filha: só o darei a um homem. Antes procurava um grande homem agora procurarei dois. Escolherei um marido para uma mulher e um sábio para o livro.
Platão, depois de algum silêncio, murmurou:
- Se escolheres para marido da tua filha um sábio, entrega-lhe o livro. Um homem protege melhor dois tesouros do que um. Com mais responsabilidade fica mais forte.
Arquitas concordou (sem palavras) e deitaram-se cedo nessa noite.
Na outra manhã, Platão partiu e logo durante a tarde ouviram-se os cavalos dos bárbaros.
- Eles vêm à procura de tesouros! - gritava o povo, aterrorizado.
Arquitas era ingénuo. Confundia o seu ouro com o dos outros.
(…)
Gonçalo M. Tavares in Histórias Falsas
26 março 2019
16 março 2019
name you
i will name my heart
after you.
both having been born
in the body,
both being my
dug deep roots.
my grace givers.
oxygen providers.
safe keepers.
i would not exist without you.
ans so i name it after all
that you are
and
will be,
little one.
i name it: resilient.
i name it: courageous.
i name it: fearless.
i name it: love.
Alison Malee in The Day is Ready for You
22 novembro 2018
11 novembro 2018
Fale Apenas com uma Boa Finalidade
14 outubro 2018
30 setembro 2018
(…)
Há um bosque num vale na Hemónia, que uma floresta
cortada a pique fecha de todos os lados: chama-se Tempe.
Por ele irrompe, de espumosas ondas, o Peneu, que brota
do sopé do Pinho. Pelo peso da sua queda, projecta névoas
de vapores ténues e em borrifos chuvisca sobre os cimos
do arvoredo, e o fragor molesta bem para lá da vizinhança.
esta é a casa, esta é a sede, este é o santuário do grande rio.
Residindo aqui, em gruta talhada nas fragas, estabelecia
as leis para as ondas e às ninfas que nas ondas habitam.
A este lugar chegaram primeiro os rios daquela região,
sem saber se deviam vir felicitar o pai ou confortá-lo:
Esperqueu, carregado de choupos, o irrequieto Enipeu,
o velho Apídano, e o tranquilo Anfriso, e o Eante;
depois, outros rios, que, por onde o ímpeto os empurra,
levam lá abaixo ao mar as águas, exaustas das errâncias.
Só Ínaco está ausente. Recolhido no fundo da sua gruta,
engrossa as águas com o pranto: digno de dó, chora Io,
a sua filha, como se perdida. Não se sabe se ainda está viva,
se está entre os Manes.Não a achando em parte alguma,
julga que já não vive mais, e receia o pior no seu coração.
(…)
16 abril 2018
06 abril 2018
O Kommando estava reduzido a doze homens: três tinham desaparecido da forma habitual daquele lugar, talvez na barraca ao lado, talvez apagados do mundo. Dos doze, cinco não eram químicos; todos eles tinham imediatamente pedido a Alex para voltar aos seus Kommandos anteriores. Não evitaram as pancadas, mas inesperadamente, e por não se sabe qual autoridade, foi decidido que ficassem, agregados na qualidade de auxiliares ao Kommando Químico.
Alex apareceu na cave de Cloreto de Magnésio e mandou-nos sair os sete, para irmos fazer o exame. E nós, como sete pintos desengonçados atrás de uma galinha, vamos atrás de Alex pela pequena escada Polymerisations-Buro. Estamos no patamar; na porta uma tabuleta com os três nomes famosos. Alex bate respeitosamente, tira o boné, entra: ouve-se uma voz calma; Alex volta a saír: - Rube, jetz. Warten - Esperem em silêncio.
Esperar agrada-nos. Enquanto se espera, o tempo avança sem sobressaltos sem termos de intervir para o fazer avançar, pelo contrário, quando se trabalha cada minuto percorre-nos com fadiga e tem de ser expulso com muito esforço. Por isso é sempre agradável esperar durante horas com a completa e obtusa inércia das aranhas nas velhas teias.
Alex está nervoso, anda para trás e para diante, e nós desviamo-nos todas as vezes, para o deixar passar. Também, cada um a seu modo, estamos inquietos; apenas Mendi não está. Mendi é rabino; provém da Rússia subcarpática, daquele emaranhado de povos em que cada um fala pelo menos três línguas, e Mendi fala sete. Sabe muitíssimas coisas, para além de rabino, é sionista militante, glotólogo, foi resistente e é doutorado em Jurisprudência; não é químico, mas quer tentar igualmente, é um pequeno homem tenaz, corajoso e arguto.
Bália tem um lápis e os outros não o largam. Não temos a certeza de sermos ainda capazes de escrever, queríamos experimentar.
Kohlenwasserstoffe, Massenwirkungsgesetz. Vêm-me à memória os nomes alemães dos compostos e das leis: estou grato ao meu cérebro, deixei de me preocupar com ele, porém ainda me serve muito bem.
Chega Alex. Eu sou químico, que tenho a ver com este Alex ?”
Primo Levi in Se Isto é um Homem
25 março 2018
20 março 2018
Morte Heróica
Tenho a impressão de que o Príncipe experimentou algum desgosto ao descobrir seu comediante favorito entre os rebeldes. O Príncipe não era melhor nem pior do que os outros príncipes, mas uma excessiva sensibilidade tornava-o, muitas vezes, mais cruel e mais despótico do que todos os seus semelhantes. Amante apaixonado e excelente conhecedor das belas-artes, era verdadeiramente insaciável de volúpias. Bastante indiferente relativamente aos homens e à moral, verdadeiro artista, não conhecia inimigo mais perigoso do que o Tédio, e os esforços extraordinários que fazia para evitar ou vencer esse tirano do mundo lhe teriam certamente atraído, da parte de um historiador severo, o epíteto de “monstro”, caso permitisse que, nos seus domínios, se escrevesse qualquer coisa que não visasse unicamente ao prazer ou à admiração, que é uma das formas mais delicadas do prazer.
A grande infelicidade do Príncipe foi que jamais encontrou teatro bastante vasto para o seu génio. Há jovens Neros que sufocam em limites demasiado estreitos, e os séculos vindouros ignorarão sempre o seu nome e boa-vontade. A imprevidente Providência dera àquele faculdades maiores do que os seus Estados. Inesperadamente, correu a notícia de que o soberano desejava conceder graça a todos os conjurados. A origem do boato foi o anúncio de um grande espectáculo em que Fancioulle devia desempenhar um dos seus principais e melhores papéis.
Dizia-se que ao espectáculo assistiriam os fidalgos condenados, o que era sinal evidente, acrescentavam os espíritos superficiais, das tendências generosas do Príncipe ofendido. Da parte de um homem tão natural e voluntariamente excêntrico, tudo era possível, inclusive a virtude e a clemência, sobretudo se pudesse esperar e descobrir nisso prazeres desconhecidos. Mas, para os que, como eu, tinham podido penetrar mais além nas profundezas daquela alma curiosa e doente, era infinitamente mais provável que o Príncipe quisesse julgar do valor dos talentos cênicos de um homem condenado à morte.
Pretenderia ele aproveitar a ocasião para fazer uma experiência fisiológica de capital interesse e verificar até que ponto as faculdades habituais de um artista podiam ser alteradas ou modificadas pela situação extraordinária em que se encontrasse? Existiria em sua alma alguma intenção mais ou menos determinada de clemência? É um ponto que nunca pôde ser esclarecido.
Por fim, chegado o grande dia, a pequena corte apresentou-se com toda a pompa, sendo difícil conceber, sem ter visto, tudo o que a classe privilegiada de um pequeno Estado, de recursos restritos, pode mostrar de esplendores para uma verdadeira solenidade. E aquela era duplamente verdadeira, primeiro pela magia do luxo ostentado, e depois pelo interesse moral e misterioso que lhe estava ligado. O senhor Fancioulle primava sobretudo nos papéis mudos ou pouco carregados de palavras, que são quase sempre os principais nesses dramas feéricos cujo objecto é representar simbolicamente o mistério da vida.
Entrou em cena rapidamente e com perfeito desembaraço, o que contribuiu para fortificar, no nobre público, a ideia de doçura e de perdão. Quando se diz que um comediante “é um bom comediante”, a gente serve-se de uma fórmula que significa que, sob a personagem, se deixa ainda adivinhar o comediante, isto é, a arte, o esforço, a vontade. Ora, se um comediante chegasse a ser, relativamente à personagem que está encarregado de exprimir, o que as melhores estátuas da antiguidade, miraculosamente animadas, vivas, insinuantes, vistosas, seriam relativamente à ideia geral e confusa de beleza, tratar-se ia, sem dúvida, de um caso singular e de todo imprevisto. Fancioulle foi, naquela noite, uma idealização perfeita, que não se podia deixar de supor viva, possível, real. O cômico ia, vinha, ria, chorava, convulsionava-se, com uma indestrutível auréola em torno da cabeça, auréola invisível para todos, mas visível para mim, e na qual se misturavam, num amálgama estranho, os raios da Arte e a glória do Martírio.
Fancioulle, não sei com que graça peculiar, introduzia o divino e o sobrenatural até nas mais extravagantes palhaçadas. Treme-me a pena e lágrimas de uma emoção sempre presente sobem-me aos olhos ao procurar descrever aquela noite inolvidável. Fancioulle provava-me, de maneira peremptória, irrefutável, que a embriaguez da Arte é mais adequada do que qualquer outra para velar os terrores do abismo; que o gênio pode representar a comédia à beira do túmulo com uma alegria que o impede de ver o túmulo, perdido como está num paraíso que exclui toda ideia de túmulo e destruição.
Todo aquele público, embotado e frívolo como podia ser, sofreu logo o domínio todo-poderoso do artista. Ninguém mais pensava em morte, em luto, em suplícios. Todos se abandonavam, sem inquietação, às volúpias multiplicadas pela visão de uma obra-prima de arte viva. As explosões de alegria e de admiração abalaram por várias vezes a abóbada do edifício, com a energia de uma tempestade contínua. Até o Príncipe, inebriado, juntou seus aplausos aos da corte. No entanto, para um observador perspicaz, sua embriaguez não existia sem mistura. Sentir-se ia vencido no seu poder despótico? humilhado em sua arte de terrificar os corações e entorpecer os espíritos? frustrado em suas esperanças e escarnecido em suas previsões?
Tais hipóteses, que não se justificam exactamente, mas que não são em absoluto injustificáveis, atravessaram-me o espírito ao contemplar o rosto do Príncipe, no qual uma palidez nova ia aumentando sem cessar a palidez habitual, como neve juntando-se à neve. Seus lábios apertavam-se cada vez mais e os olhos acendiam-se com um fogo interior semelhante ao da inveja e do ressentimento, mesmo quando aplaudia de modo ostensivo os talentos do velho amigo, o estranho bufão que zombava da morte.
A um certo momento, eu vi Sua Alteza voltar-se para um pequeno pajem, que se achava atrás dele, e falar-lhe ao ouvido. A fisionomia maliciosa do belo menino iluminou-se com um sorriso, e assim abandonou ele, apressado, o camarote do Príncipe, como para desincumbir-se de urgente missão. Alguns minutos mais tarde, um assobio agudo, prolongado, interrompeu Fancioulle num dos seus melhores momentos, ferindo a um tempo os ouvidos e os corações. E do lugar da sala de onde partira a inesperada vaia, um menino precipitou-se num corredor sufocando o riso. Fancioulle, sacudido, despertado em seu sonho, fechou primeiro os olhos, depois tornou a abri-los quase em seguida, desmesuradamente arregalados, abriu a boca como para respirar convulsivamente, cambaleou, um pouco para a frente, um pouco para trás, e caiu morto no palco.
O assobio, rápido como um gládio, teria realmente frustrado o carrasco? Teria o Príncipe adivinhado toda a homicida eficiência da cilada? É lícito duvidar. Teria ele lastimado o seu querido e inimitável Fancioulle? É agradável e legítimo acreditá-lo. Os fidalgos culpados gozaram pela última vez do espectáculo da comédia. Na mesma noite, foram riscados da vida. Desde então, vários cómicos, justamente apreciados em diversos países, têm ido representar diante da corte de... Nenhum deles, porém, pôde evocar os maravilhosos talentos de Fancioulle, nem elevar-se ao mesmo favor.
Charles Baudelaire in Pequenos Poemas em Prosa
11 março 2018
01 março 2018
JOB
11 fevereiro 2018
29 janeiro 2018
Olisipo
”Fortuna que neste caso também se encarregara de os bafejar com um bonito dia de sol e boa vista, que se abria à sua frente à medida que subiam pelo largo rio acima até ao fundeadouro onde iriam ancorar. A luz da manhã começava a iluminar bonitas praias que se estendiam ao longo de várias milhas, pontilhadas por pequenas aldeias de pescadores e emolduradas por suaves colinas verdes onde se podiam ver pequenas vilas pertencentes à elite da cidade. Não era uma terra plana, esta, mas ondulada, como se as ondas do mares estendessem pela costa adentro e abraçassem toda a terra que conseguissem antes de voltarem para trás, puxadas pelo eterno movimento que Nepturno lhes concedera.
As águas do estuário eram brilhantes e límpidas, deixando ver grandes cardumes de pequenos peixes prateados que certamente faziam as delícias dos locais e que em breve seriam também apanhados pelas redes que o mestre lançaria ao mar.
Para além da proa os cascos e mastros de muitas embarcações preenchiam a paisagem. Todas pareciam flutuar na neblina que calor ia fazendo sair do rio e sobre todas reinava a mesma paz que em breve seria corrompida pelos ritos dos mestres e capitães e pelo começar de mais um dia”.(…)
Inês Ribeiro & Raquel Policarpo in Segredos de Lisboa
20 janeiro 2018
08 janeiro 2018
O Alienista
Ele aplicava a medicação que pudesse incutir-lhe o sentimento oposto: e não ia logo às doses máximas: graduava-as conforme o estado, a idade, o temperamento, a posição social do enfermo. às vezes bastava uma casaca, uma fita, uma cabeleira, uma bengala, para restituir a razão ao alienado; em outros casos, a moléstia era mais rebelde; recorria então aos anéis de brilhantes, às distinções honoríficas, etc. Houve um doente poeta que resistiu a tudo.
Simão Bacamarte começava a desesperar da cura quando teve a ideia de mandar correr matraca para o fim de o apregoar como um rival de Garção e de Píndero.
- Foi santo remédio! - contava a mãe do infeliz a uma comadre. - Foi um santo remédio!
Outro doente, também modesto, opôs a mesma rebeldia à medicação; mas não sendo escritor (mal sabia assinar o nome) não se lhe podia aplicar o remédio da matraca. Simão Bacamarte lembrou-se de pedir para ele o lugar de secretário da Academia dos Encobertos estabelecida em Itaguahy.
Machado de Assis in “O Alienista"
13 novembro 2017
06 novembro 2017
Um Sábado
Vai esgotando alguns rumos limitados
E toca nas paredes que se alargam
E nos vidros das portas interiores
E nas lombadas ásperas dos livros
Vedados ao seu gosto e na apagada
Baixela que já foi dos seus avós
E nas torneiras de água e nas molduras
E em vagas moedas e na chave.
Está sózinho e não há ninguém no espelho.
Ir e vir. Essa mão roça o rebordo
De uma primeira estante. Sem ter querido,
Já se estendeu na cama solitária
E sente que esses actos que executa
Interminavelmente ao crepúsculo
Obedecem a um jogo que não sabe,
Regido por um deus indecifrável.
Em voz alta e ritmada então repete
Fragmentos dos clássicos e ensaia
Variações de verbos e adjectivos
E bem ou mal escreve este poema.
Jorge Luis Borges in Obras Completas 1975-1985
17 julho 2017
10 julho 2017
Um Senhor muito Velho com umas Asas Enormes
Gabriel García Marques in Contos Completos 1947-1992
17 junho 2017
Em Defesa da Poesia
Shelley in Defesa da Poesia
10 junho 2017
06 junho 2017
The German Submarines
04 junho 2017
31 maio 2017
O real nunca existiu
27 maio 2017
23 maio 2017
O real nunca existiu
07 maio 2017
09 abril 2017
Síntese e Remorso
A morte de Astíanax
não será dita. Ninguém a contou.
Ninguém a poderá contar.
Acerca da fragilidade
de uma criança
nada diremos.
Acerca da sua força e das imagens
nocturnas que se espelham,
como o adversário se espelha
na polida solidez do escudo,
sobre isso talvez nos seja dado
dizer o que não merece mais
do que síntese e remorso.
Luís Quintais in "A Noite Imóvel"
24 julho 2016
11 julho 2016
06 julho 2016
20 junho 2016
Ragnarok
28 maio 2016
23 maio 2016
16 maio 2016
11 maio 2016
Do LIvro dos Números
(transbordam de visões
Transbordam como cântaros à beira da corrente
Como aloés plantados ao redor do acampamento
Como imagens de cedros vindo à memória de repente
Transbordam de palavras de quem vê e cai
Com os olhos cheios de sementes
Ele vê, mas não é para agora
Ele contempla, mas não de perto
Planta cedros para os anos futuros
Carrega cântaros para a sede que vem
Como são belas moradas as crianças prolongando-se
Como as palavras de Balaão que sopra nos juncos
Palavras do homem no lugar penetrante
De quem ouve. Palavras
De quem cai em êxtase e se ergue pelo tacto
Contempla por entre os aloés e os dedos
A criança que acampou connosco agora
O menino que abre uma estrela e nos convoca
Ele contempla. Ele vem. Ele é um cedro que transborda
Palavra de quem vê e derrama
Os olhos e os cântaros sobre si
Daniel Faria in Poesia