01 junho 2020

A casa do Mar

A casa está construída na duna e separada das outras casas do sítio. Esse isolamento cria nela uma unidade, um mundo. O rumor das ondas, o perfume do sal, o vidrado da luz marinha, o ar varrido de brisas e vento, a cal do muro, os nevoeiros imóveis, o arfar ressonante do mar estabelecem em seu redor grandes espaços vazios, tumultuosos e limpos, onde tudo se abre e vibra. A casa é construída de pedra e cal, e a sua frente está virada para o mar. No andar de cima da fachada, há três janelas e uma varanda com grades de madeira. No andar de baixo, há três janelas e uma porta. Essa porta, as janelas e as grades da varanda estão pintadas de verde. No chão, ao longo da parede, corre um passeio de pedra, que separa a casa das areias da duna. Para além das dunas, a praia estende-se a todo o comprimento da costa, e só o limite do olhar a limita. E, de norte a sul, ao longo das areias, correm três linhas escuras e grossas de algas, búzios e conchas, misturadas com ouriços, pedaços de cortiça e pedaços de madeira, que são restos de boças e barcos. Sobre a areia molhada, que a maré cheia alisou, o poisar das gaivotas deixa finas pegadas triangulares, semelhantes à escrita de um tempo antiquíssimo. As traseiras da casa dão para um jardim inculto e rude e áspero, onde o vento que dobra os arbustos se precipita e dança em volta do poço redondo. O chão está coberto de pequenas pedras soltas, que rangem e saltam sob os passos. Presa num arame, a roupa lavada a secar ao sol estala e palpita, como as velas de um navio. A norte, a leste e a sul, o jardim é limitado por três muros toscos, feitos de calhaus de granito, sem reboco. No muro do fundo, que dá para a rua deserta onde os plátanos sonham devagar a própria sombra, há uma cancela, que continuamente bate e gira e geme ao vento.
(...)
Sophia de Mello Breyner Andresen in Histórias da Terra e do Mar

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