08 janeiro 2018

O Alienista


Era a vez da terapêutica. Simão Bacamarte, activo e sagaz em descobrir enfermos, excedeu-se ainda na diligência e penetração com que principiou a tratar-los. Neste ponto, todos os cronistas estão de pleno acordo: o ilustre alienista fez curas pasmosas, que excitaram a mais viva admiração em Iraguahy. Com efeito, era difícil imaginar mais racional sistema terapêutico. Estando os loucos divididos por classes, segundo perfeição moral que em cada um deles excedia às outras, Simão Bacamarte cuidou em atacar de frente a qualidade predominante. Suponhamos um modesto.

Ele aplicava a medicação que pudesse incutir-lhe o sentimento oposto: e não ia logo às doses máximas: graduava-as conforme o estado, a idade, o temperamento, a posição social do enfermo. às vezes bastava uma casaca, uma fita, uma cabeleira, uma bengala, para restituir a razão ao alienado; em outros casos, a moléstia era mais rebelde; recorria então aos anéis de brilhantes, às distinções honoríficas, etc. Houve um doente poeta que resistiu a tudo.

Simão Bacamarte começava a desesperar da cura quando teve a ideia de mandar correr matraca para o fim de o apregoar como um rival de Garção e de Píndero.
- Foi santo remédio! - contava a mãe do infeliz a uma comadre. - Foi um santo remédio!
Outro doente, também modesto, opôs a mesma rebeldia à medicação; mas não sendo escritor (mal sabia assinar o nome) não se lhe podia aplicar o remédio da matraca. Simão Bacamarte lembrou-se de pedir para ele o lugar de secretário da Academia dos Encobertos estabelecida em Itaguahy.

Machado de Assis in “O Alienista"

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