O melro, eu conheci-o.
Era negro, vibrante, luzidio,
Madrugador, jovial;
Logo de manhã cedo
Começava a soltar d’entre o arvoredo
Verdadeiras risadas de crista.
E assim que o padre cura abria a porta
Que dá para o passal,
Repicando umas finas ironias,
O melro d’entre a horta
Dizia-lhe: “Bons dias!”
E o velho padre cura
Não gostava daquelas cortezias.
O cura era um velho conservado,
Malicioso, alegre, prasenteiro;
Não tinha pombas brancas no telhado,
Nem rosas no canteiro,
Livre de reumatismo,
Graças a Deus, e graças a Noé.
O melro desprezava os exorcismos
Que o padre lhe dizia:
Cantava, assobiava alegremente,
Até ultimamente
O velho disse um dia:
“Nada, já não tem geito! Este ladrão
Dá cabo dos trigaes!
Qual seria a razão
Por que Deus os melros e os pardaes?!”
E o melro no entretanto,
Honesto como um santo,
Mal vinha no oriente
A madrugada clara
Já elle andava jovial, inquieto,
Comendo alegremente, honradamente,
Todos os parasitas da seara
Desde a formigão mais pequeno insecto.
E apezar disto o rude proletário,
O bom trabalhador,
Nunca exigiu um augmento de salário.
Que grande tolo o padre confessor!
(…)
Abílio Guerra Junqueiro in Primores da Poesia Portugueza - 1924
(Livraria Quaresma - Editora - Rio de Janeiro)
Aqui nesta praia onde Não há nenhum vestígio de impureza, Aqui onde há somente Ondas tombando ininterruptamente, Puro espaço e lúcida unidade, Aqui o tempo apaixonadamente Encontra a própria liberdade. Sophia de Mello Breyner
21 junho 2021
O melro
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