(…) O anjo era o único que não participava no seu próprio acontecimento. Passava o tempo a procurar ocupação no seu ninho de empréstimo, aturdido com o calor do inferno das lamparinas de azeite e das velas de sacrifício que lhe encostavam à cerca. A princípio tentaram que comesse cristais de cânfora, que, de acordo com a sabedoria da vizinha sábia, era o alimento específico dos anjos. Mas ele desprezava-os, como desprezou sem os provar os almoços papais que lhe levavam os penitentes, e nunca se soube se foi por ser anjo ou por ser velho que acabou por comer apenas papas de beringela. A sua única virtude sobrenatural era a paciência. Sobretudo nos primeiros tempos, quando era debicado pelas galinhas em busca dos parasitas estelares que lhe proliferavam nas asas e os paralíticos lhe arrancavam penas para tocarem com elas nos seus defeitos, e até os mais piedosos lhe atiravam pedras, testando que se levantasse para o verem de corpo inteiro. A única vez que conseguiram perturbar-lo foi quando lhe abrasaram as costas com um ferro de marcar novilhos porque estava imóvel havia tentas horas que o julgaram morto. Acordou sobressaltado, disparatando em língua hermética e com os olhos em lágrimas, e abriu e fechou as asas um par de vezes, o que provocou um remoinho de esterco no galinheiro e pó lunar, e uma ventania de pânico que não parecia deste mundo. Embora muitos acreditassem que a sua reacção não fora de raiva mas de dor, desde então procuraram não o incomodar, porque a maioria entendeu que a sua passividade não era a de um herói retirado mas a de um cataclismo em repouso. (…)
Gabriel García Marques in Contos Completos 1947-1992
Gabriel García Marques in Contos Completos 1947-1992
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