"O que me agrada no livro de Cervantes é que este é o grande romance da denegação: de facto, Dom Quixote é permanentemente o homem para quem o real não tem cabimento. O mecanismo da denegação não é explicitado, nem sequer autopsiado, mas surge constantemente num número inacreditável de situações. A famosa imagem de um fidalgo lutando contra moinhos que teima em considerar gigantes cola-se à pele da personagem e exprime nitidamente o mal de que padece, a sua loucura: ele não quer ver o que é, preferindo ver o que quer. O mundo tal como é não lhe convém e substituiu-o por um mundo tal como deveria ser - por outras palavras, obedecendo aos seus caprichos, às suas fantasias…Nesta operação de substituição do ser pelo dever ser reside o mecanismo da denegação (…)"
Não vale a pena dizer a D. Quixote que está enganado quando vê aquilo que vê, pois ele responderá que nós é que estamos enganados por vermos o que vemos!
Como qualquer um que padece da nefasta mania da denegação, a ideia que ele faz do verdadeiro, mesmo sendo falsa, é mais verdadeira do que a realidade do verdadeiro, que considerará sempre falsa. A sua imaginação dita a lei, ele é pobre de mundo real e rico de ficções puras. O imaginário sobrecarrega a matéria do mundo, cobrindo-a de um véu de ilusões.(...)"
Michel Onfray in O Princípio de Dom Quixote
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