12 novembro 2015

(...)
Como sabem, não sou particularmente meigo: já tive de atacar e de me defender. Tive de resistir e de atacar, por vezes - que é apenas uma maneira de resistir - sem contabilizar o custo exacto, de acordo com as exigências deste tipo de vida em que cometi o erro de me meter. Vi o demónio da violência, o demónio da ganância e o demónio do desejo ardente: mas, por todas as estrelas!, eram demónios poderosos, lascivos, de olhos vermelhos, que dominavam e incitavam os homens - homens digo-lhes eu. Mas, parado naquela encosta, pressenti que sob o sol ofuscante daquela terra eu iria conhecer um demónio flácido, de olhar mortiço, de uma loucura rapaz e impiedosa. Só alguns meses mais tarde e muitos quilómetros depois, viria a descobrir como era insidioso. Durante um instante, ali fiquei espantado, como que por um aviso. Finalmente, desci a encosta, obliquamente, em direcção às árvores que avistara.

Contornei uma grande cova artificial que alguém estivera a escavar na encosta, e cuja finalidade me senti incapaz de adivinhar. Não era uma pedreira nem um areeiro. Era apenas uma cova. Poderia estar ligada ao desejo filantrópico de dar que fazer aos criminosos. Não sei. Depois, estive a pontos de caír numa ravina muito estreita, pouco mais do que uma cicatriz na vertente. Descobri que tinha sido ali deitada uma quantidade de canos de esgoto importados para a povoação. Não havia um que não estivesse partido. Um autêntico cataclismo. Finalmente cheguei às árvores. A minha intenção era abrigar-me à sua sombra por uns instantes: mas logo me pareceu que tinha entrada no círculo sombrio do Inferno. Os rápidos corriam ali perto e um ruído ininterrupto, uniforme, impetuoso e precipitado invadia com um som misterioso a quietude sinistra do bosque, onde nem uma aragem se sentia, nem uma folha se mexia, como se o ritmo avassalador da terra em rotação se tivesse, de repente, tornado audível.

Vultos negros estavam agachados, deitados, sentados entre as árvores, encostados aos troncos, agarrados à terra, meio saídos, meio diluídos na penumbra, em atitudes de dor, abandono e desespero. No penhasco rebentou outra mina, seguida de um ligeiro estremeção do terreno sob os meus pés. O trabalho prosseguia. O trabalho! (…)

Joseph Conrad in Coração das Trevas

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