01 novembro 2015

A Porta Condenada

"Petrone gostou do hotel Cervantes por razões que teriam desagradado a outros. Era um hotel sombrio, tranquilo, quase deserto. Uma pessoa que conhecia tinha-lho recomendado quando estava a atravessar o rio no ferry-boat, dizendo-lhe que ficava na zona central de MOntevideu. Petrone aceitou um quarto com casa de banho no segundo andar que dava directamente para a recepção. Pelo chaveiro na portaria soube que havia pouca gente no hotel. As chaves estavam presas a uns pesados discos de bronze com o número do quarto, inocente estratégia da gerência para impedir que os clientes as metessem no bolso. 

O elevador parava em frente à recepção, onde havia um balcão com os jornais do dia e a lista telefónica. Bastava-lhe caminhar uns metros para chegar ao quarto. A água corria a ferver, o que compensava a falta de Sol e de circulação do ar. No quarto havia uma pequena janela que dava para o terraço do cinema contíguo. Às vezes passeava por ali um pombo. A casa de banho tinha uma janela maior, que se abria tristemente para um muro e para uma longínqua nesga quase inútil do céu. Os móveis eram bons, havia gavetas e estantes de sobra. E muitos cabides, coisa invulgar. 

O gerente era um homem alto e magro, completamente careca. Usava óculos com armação de ouro e falava com a forte voz dos Uruguaios. Disse Petrone que o segundo andar era muito tranquilo e que no único quarto contíguo ao seu vivia uma senhora sozinha, empregada num sítio qualquer, que regressava ao hotel ao caír da noite. Petrone encontrou-a no dia seguinte no elevador. Percebeu que era ela pelo número da chave que sustinha na palma da mão como se oferecesse uma enorme moeda de ouro. O porteiro aceitou a sua chave e a de Petrone para pendurá-las no chaveiro, e ficou a falar com a mulher sobre umas cartas.(…)" 

Julio Cortázar in Final do Jogo

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