26 maio 2015

Um Homem Discreto

“Não faço visitas, nem ando em sociedade nenhuma - nem de salas , nem de cafés”; que fazê-lo seria “entregar-me a conversas inúteis, furtar tempo se não aos meus raciocínios e aos meus projectos, pelo menos aos meus sonhos, que sempre serão mais belos que a conversa alheia”. A explicação que dá para tal aversão às práticas sociais é simples (e pretensiosa): “Devo-me à humanidade futura. Quando me desperdiçar, desperdiço do divino património possível dos homens de amanhã; diminuo-lhes a felicidade que lhes possa dar”. Na dimensão do pensamento, apenas, que “nunca tive uma ideia nobre de minha presença física. Pareço um jesuíta frustre (gasto). Sou um surdo-mudo berrando, em voz alta, os meus gestos”. Esses gestos são comedidos, de “extrema cortesia”, mesmo delicados. Educado, abria o portão para os empregados do prédio, com as compras, na Rua Coelho da Rocha - segundo Manuela Nogueira. “Sou tímido, e tenho repugnância em dar a conhecer as minhas angústias”; razão porque (quase) nunca distribui cartões de visita - dizendo sempre estarem na gráfica, por entregar. “Calmo e alegre diante dos outros” é, em geral, uma criatura com que os outros simpatizam”. Ri pouco e ouve mais do que fala - “não se deve falar demasiado”. No fundo, “ouvir nunca foi para mim senão um acompanhamento de ver”; porque, “a não ser que ouças, não poderás ver”. O seu interesse é mais dialogar que debater. E não gosta de se exibir. De magoar os outros, menos ainda. O heterónimo Barão de Teive, com vida que quese reproduz a do próprio Pessoa, diz: “Pus-me sempre à parte do mundo e da vida…Nunca alguém me tratou mal, em nenhum modo ou sentido. Todos me trataram bem, mas com afastamento. Compreendi logo que o afastamento estava em mim, a partir de mim." 

José Paulo Cavalcanti Filho in Fernando Pessoa uma quase-autobiografia

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