22 fevereiro 2015

A criança empurrou o gradeamento, balouçando desengonçadamente a pequena pasta que levava às costas, depois parou à entreda do parque. Inspeccionou os relvados à sua volta, caminhou lentamente na ponta dos pés, atenta, nunca se sabe, os pássaros que podiam afugentar ao avançar. Realmente um pássaro voou. "A criança seguiu-o com os olhos durante um momento, o tempo de o ver pousar sobre uma árvore do parque vizinho, depois continuou o seu caminho até debaixo de uma certa janela, a esta hora do dia, sorriam-lhe sempre. Sorriram-lhe.
- Vem - gritou Anne Desbarades -, vamos passear.
- Ao pé do mar?
Ao pé do mar, por todo o lado. Vem.
Seguiram de novo pela avenida em direcção aos molhes.
A criança compreendeu muito rapidamente, não se espantou com nada.
- É longe - lamentou-se.
Depois aceitou, cantarolando.
Quando passaram pela primeira doca, era muito cedo. À frente deles, na extremidade sul da cidade, o céu estava obscurecido por listas negras, nuvens ocres que as fundições atiravam para o céu.
Era uma hora morta, o café estava ainda vazio. Apenas o homem lá estava, ao fundo do bar. A patroa, assim que ela entrou, levantou-se e dirigiu-se a Anne Desbaredes.
O homem não se mexeu.
- Deseja?
- Queria um copo de vinho.
Ela bebeu-o assim que servido. O tremor ainda era mais forte que três dias antes.
- Está talvez admirada de me voltar a ver?
- Na minha profissão… - disse a patroa.
Observou disfarçadamente o homem - também ele tinha empalidecido - , voltou a sentar-se, depois, reconsiderando, voltou-se sobre si própria e com um gesto decente abriu o rádio. A criança deixou a mãe e foi para o passeio.
- Como lhe dizia o meu filho tem lições de piano com a Menina Giraud. Deve conhecê-la.
- Conheço. Há mais de um ano que a vejo passar a si uma vez por semana, às sextas-feiras, não é verdade?
- Sim, à sexta-feira. Queria outro copo de vinho.
A criança tinha encontrado um companheiro. Imóveis na plataforma do cais, viam descarregar areia de um enorme lanchão. Anne Desbardes bebeu metade do segundo copo de vinho. O tremor das mãos atenuou-se um pouco. 
- É uma criança que está sempre só - disse, olhando para a plataforma do cais.
A patroa retomou o tricot vermelho, achou inútil responder. Um rebocador carregado até ao bordo entrava no porto. A criança gritou qualquer coisa indistinta. O homem aproximou-se de Anne Desbaresdes.
- Sente-se - disse ele.
Ela seguiu-o sem uma palavra. A patroa, sempre a tricotar, olhava obstinadamente o rebocador. "

Marguerite Duras in Moderato Cantabile

Sem comentários: