25 dezembro 2014

Sou um lugar carregado de cactos junto à água, lua,
os animais com um clarão na boca, sou
uma ciência a sangue. O sítio ainda agora no cérebro:
jarra de vidro cheio de leite, o sal. Estes
elementos arcaicos - e as mulheres
sombrias
cantando. Sou um lugar que transborda.
Espancaram a luz atrás das minhas costas: de onde eu vinha,
criança branca do mundo. Defronte os fogos
lavraram-me a testa.
Podia dançar sobre as áscuas. Podia ser tão silvestre
entre as folhagens do ouro, ter cornos, negra
máscara aterradora, silvar
como uma cobra.
Eu entrava na morte, era o filho da estrela
bárbara - erguia-a do meio dos diamantes.
De equinócio a solstício abraçava-me uma onda
quando subia, quando
se despenhava eu dormia dentro como um olho de água.
Depois o rosto obscuro.
Depois a sede fiada atrás do rosto.
Não espero nada.
Espero o dom de uma imagem.

Herberto Hélder in Poemas Completos

Sem comentários: