29 abril 2014

"No grande navio a vapor de passageiros, que devia partir à meia-noite de Nova Iorque para Buenos Aires, reinava a habitual azáfama e movimento de última hora. Hóspedes vindos de terra acotovelavam-se correndo de um lado para o outro para poderem acompanhar os seus amigos, distribuidores de telegramas com boinas de lado atravessavam, disparados, os salões de festas, malas e flores eram arrastadas, crianças subiam e desciam as escadas cheias de curiosidade , enquanto a orquestra tocava imperturbavelmente no espectáculo do convés. Eu estava a conversar com um conhecido no convés de passeio, um pouco afastado deste reboliço, quando, perto de nós, a luz do flash disparou intensamente duas ou três vezes - aparentemente, pouco antes da partida, uma celebridade qualquer tinha sido rapidamente entrevistada e fotografada.
O meu amigo olhou de relance e sorriu. "Temos aqui uma ave rara a bordo, o Czentivic." E como aparentemente reagi com uma cara bastante inexpressiva a esta informação, acrescentou em jeito de esclarecimento: "Mirko Czentovic, o campeão do mundo de xadrez. Correu a América toda, de costa a costa, jogando em torneios e, agora, vai para a Argentina à procura de novos triunfos".
De facto, lembrei-me deste jovem campeão mundial e até de alguns pormenores relacionados com a sua fulgurante carreira; o meu amigo, um leitor mais atento de jornais do que eu, podia acrescentar toda uma espécie de histórias engraçadas".

Stefan Zweig in Novela de Xadrez

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