15 janeiro 2014

O Cidadão

"Os seres marinhos, quando não tocam o fundo do mar, se adaptam a uma vida flutuante ou pelúgica", estudou Perseu na tarde de 15 de Maio de 192…
Herpoico e vazio; o cidadão continuou de pé junto da janela aberta. Mas na verdade jamais poderia transmitir a alguém o modo pelo qual ele era harmonioso, e mesmo que falasse não diria uma palavra que cedesse a polidez de sua aparência: sua extrema harmonia era apenas evidente.
"Os animais pelágicos se reproduzem com profusão", disse com oca luminosidade. Cego e glorioso - era isso apenas o que se poderia saber dele, vendo-o à janela de um segundo andar. Mas se ninguém conseguiria sondar sua harmonia - também ele parecia não sentir mais do que ela. Porque este era o seu grau de luz. Não importa que na luz ele fosse tão cego como os outros na escuridão. A diferença é que ele estava na luz. "Flutuantes", falou. Despercebido à janela porque ele era apenas um dos modos de ser S. Geraldo. E também um dos seus alicerçadores somente por ter nascido quando o subúrbio também se erguia, apenas por ter um apelido que só se tornaria estranho quando um dia S. Geraldo mudasse de nome; de pé diante da janela aberta. Era essa a natureza de uma raça de homem. (…)

Clarice Lispector in A Cidade Sitiada

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