"Agora vamos abordar a noção de suicídio. Já sentimos que solução é possível dar-lhe. Neste ponto, o problema é inverso. Até aqui tratava-se de saber se a vida devia ter um sentido para ser vivida. A partir daqui, pelo contrário, impõem-se-nos que ela será vivida até melhor por não ter sentido.Viver uma experiência, um destino, é aceitar plenamente. Ora não viveremos esse destino, sabendo-o absurdo, se não fizermos tudo por mantermos, diante de nós, este absurdo aclarado pela consciência. Negar um dos termos da oposição de que ele vive é escapar-lhe. Abolir a revolta consciente é sofismar o problema. O tema da revolução permanente transporta-se assim para a experiência individual. Viver é fazer viver o absurdo. Fazê-lo viver é, antes de mais, olhá-lo. Ao contrário de Euridice o absurdo só morre quando dele nos afastarmos, sem voltar a cara para trás. Uma das únicas posições filosóficas coerentes é, assim, a revolta. Ela é um confronto perpétuo do homem com a sua própria obscuridade. É a exigência de uma impossível transparência. Equaciona o problema do mundo a cada segundo. Tal como o perigo fornece ao homem possibilidades insubstituíveis de tomada de consciência, assim a revolta metafísica dilata a consciência ao longo da experiência. É a presença constante do homem em si próprio. Não é aspiração, pois é sem esperança. Esta revolta não passa da certeza de um destino esmagador, mas sem a resignação que deveria acompanha-la.
Aqui se vê a que ponto a experiência do absurdo se afasta do suicídio."
Albert Camus in O Mito de Sísifo
Sem comentários:
Enviar um comentário