09 outubro 2012

Solidão

"É delicioso o entardecer, quando o corpo inteiro é um só sentido e aspira deleite através de cada poro. Com estranha liberdade, percorro a Natureza, da qual sou parte integrante. Enquanto caminho em mangas de camisa pela margem pedregosa do lago, embora o tempo esteja frio e nublado, o vento se faça sentir e nada de especial eu veja a atrair-me, todos os elementos me são extraordinariamente afins. As enormes rãs coaxam para anunciar a noite, e a melodia dos noitibós nasce com o vento que encrespa a superfície da água. A afinidade com as folhas esvoaçantes do amieiro e do álamo quase me tira a respiração; contudo, tal como acontece com o lago, a minha serenidade agita-se sem se desmanchar. Essas leves ondas levantadas pelo vento do entardecer são tão alheias à tormenta como a superfície lisa e espelhante. Embora já esteja escuro, o vento ainda sopra e ruge pelo bosque, as ondas ainda se lançam e algumas criaturas embalam o sono com os seus cantos. O repouso jamais é completo. Os animais ferozes não repousam, e procuram nesta hora as suas presas; a raposa, o zorrilho e o coelho vagam sem medo pelos campos e bosques. São as sentinelas da Natureza, elos que unem os dias da vida animada.
De volta a casa, vejo que umas visitas deixaram cartões, um ramo de flores ou uma coroa de sempre-verdes, o nome escrito a lápis numa lasca amarela de uma nogueira. Os que raramente vêm aos bosques tomam entre as mãos qualquer coisinha da floresta com que se distrair durante o caminho e acabam por abandoná-la de propósito ou por acaso. Um deles pelou um ramo de salgueiro, teceu-o em forma de anel e deixou-o em cima da minha mesa. Sabia sempre se tivera visitas durante a minha ausência, quer pelos galhinhos e grama vergados, quer pela marca dos sapatos, e geralmente podia identificar de que sexo, idade ou tipo eram, por algum subtil traço deixado, uma flor despencada, um punhado de grama arrancado e atirado fora, mesmo que fosse longe como a ferrovia, a oitenta metros de distância, ou pelo cheiro prolongado de um charuto ou cachimbo. Mais ainda, era com frequência informado da passagem de um viajante pela estrada real, a trezentos metros de distância, pelo odor do cachimbo."

Henry David Thoreau in Walden ou a Vida nos Bosques

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