01 julho 2012

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Vai, corre pelo descampado
cada vez mais esquivo,
até colheres o que te escapa:
muros, névoa, volumes densos ou relampejantes.

Eis alguns, para os reconheceres:
uma ânfora, púcaros, um cântaro,
o muro de um poço a oferecer a sua boca,
vultos a encontrarem seu peso
com nomes de acentos côncavos.

Raia o dia, e de um lado eles são claridade
e do outro apagamento,
isto é, melancolia;
e a noite raia seu ímpeto de estrelas
e eles assustam-se,
por vezes tombam, deflagram
e derramam o brilho vagaroso
onde estão a encorpar-se desde o início.

O vento tresnoita e acorda
a ânfora e o cântaro com frases
dormentes na intensidade do barro,
e graceja com os púcaros ao silvarem na frescura
da sua boca suculenta e ridente.

Para este cântaro, esta ânfora, estes púcaros
caminharás até junto do oleiro
que dá as mãos à roda, ao barro, à dança que os celebra,
mas talvez não os acompanhes
entardecendo em sua faina e pousio.

E, mesmo imóvel, rodarás enquanto segues
o oleiro a imolar o próprio sangue
para adensar as voltas, as pausas, o pousio
dos púcaros, das ânforas, dos cântaros
que se encorpam, detêm, desafiam
o forno voraz onde o fogo os contempla
para esperarem por ti e se renderem
quando seus fizeres teus braços ermos.

José Bento in Sítios

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