"Olhava-a de perto. Fixava os olhos nos lábios, em detalhes da pele, no pescoço, nas mãos que lhe pareciam expressivas e misteriosas. De repente, julgou que não a beijar era uma privação intolerável. Disse a si mesmo: "Estou louco" Reconsiderou que, se a beijasse, iria deformar toda a ternura que ela tão espontaneamente lhe prodigalizava. Cairia talvez num erro que a iria desiludir, que o iria mostrar como um indivíduo insensível, incapaz de interpretar correctamente uma efusão de generosidade; como um hipócrita, que se finge bom enquanto ferve de apetites grosseiros, como um tonto que se atreve a exprimi-los. Pensou:"Antigamente, isto não me acontecia" (e disse a si próprio que o comentário se estava a tornar habitual). "Numa situação assim, eu era um homem perante uma mulher; agora..." E se agora estivesse enganado? Se estivesse a perder, por uma incorrigível timidez, a melhor oportunidade? Porque não ver as coisas humildemente, não entender que Nélida e ele...?
- Nélida! Nélida! - ressoou, no saguão, um vozeirão.
A rapariga ruborizou-se. Vidal esteve prestes a sugerir que saísse pelo quarto do lado mas, felizmente, não disse nada, pois não tardou a compreender que a proposta era cobarde e estúpida, para além de ser ofensiva para uma rapariga orgulhosa. Nélida ajeitava o cabelo, o vestido. Vidal reflectiu que, se alguém os visse, dificilmente admitiria a sua explicação para os factos, chamar-lhe-ía embusteiro e, por último, quem sabe, tolo. Este pensamento parecia contradizer aqueles de há pouco.
Sem olhar para ele, de cabeça erguida, Nélida abriu a porta e foi-se embora. Vidal tentou ouvir. Após um silêncio, a voz do homem lá fora perguntou:
- Onde é que te meteste?
- Não me grites - respondeu a rapariga.
Levantou-se, disposto a sair em sua defesa. Ficou imóvel, à escuta, mas só ouviu passos que se afastavam. Quando compreendeu que a situação já não estava nas suas mãos, deixou-se tombar na cama. Como um homem resignado às frustrações, afastou as ideias desagradáveis, para dormir. Acordou poucos minutos depois, bem disposto, de ânimo renovado. Rebatendo a inquietude a respeito daquilo que pudesse acontecer a Nélida, disse para consigo: "Os namorados tão depressa discutem como se entendem". Dirigiu-se à casa de banho, desta vez com sorte, pois não encontrou ninguém. Da torneira que lhe molhava a cara, bebeu água fresca: um deleite que se obtém sem restrições. Depois do episódio do trapeiro, a conduta mais recomendável seria provavelmente enclausurar-se no quarto. Não tinha lido numa revista qualquer que, por não ficarem no quarto, os homens tropeçam em desgraças?"
Adolfo Bioy Casares in Diário da Guerra aos Porcos
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