Tem sempre um quadradinho de marmelada para o bisneto pequeno.
Tira-o não se sabe donde.
Guarda os baraços dos embrulhos,
desfaz-lhes os nós («Os japoneses põem os meninos nas escolas a desfazer nós!»)
e, baraço a baraço, fabrica um novelo multicolor
que pode fornecer fio para atar um embrulho,
por exemplo, o da louça chinesa que, peça por peça,
vai pondo no prego.
Não se engana (e já trepou aos oitenta e muitos)
a declinar o rosa-rosae que aprendeu em coro quando pequena.
Gosta de cães, mas tem medo, desde que outro dia,
isto é, há vinte anos,
lhe morreu o Kiss atropelado,
das trelas sentimentais.
Numa gaveta defendia a naftalina,
dentro de uma caixa de cânfora,
guarda palmilhos de renda, uma gargantilha, véus, vidrilhos,
longos alfinetes ornamentais (aqueles de chapéu).
Arrasta consigo um passado sépia de fotografias.
Diante de cada uma, recita parentescos, genealogias.
E a fechar o cortejo mostra sempre a do casamento.
Era formosa, cheiinha, um verdadeiro quanto-baste de mulher.
Enviuvou; sobreviveu a dois filhos; vive com uma amiga.
Às vezes está amuada, não sai do seu quarto e passa o dia inteiro a tisanas.
Quando visita o bisneto,
insiste em chamar-lhe o rosa-rosae.
quer que ele seja um causídico.
Já não escolhe a comida; escolhe os dentes.
É um passarinho.
Mas nos seus olhos doces, azuis e moços,
uma gaiata traquina.
Alexandre O'Neill in Poesias Completas
Sem comentários:
Enviar um comentário