13 outubro 2011

Santa Teresa e as prostitutas

Recebi hoje uma carta de José Bento
que dizia sentir-se um rato diante de Santa Teresa
eu gosto tanto dele, posso dizer o mesmo
mas temo seja o que for
de incalculável

Diante de um rato experimento
não exactamente repulsa para a qual sou demasiado fraco
mas uma tristeza submersa
dissimulada na própria forma
lembro-me do meu quarto há muitos anos
a ratoeira armada debaixo da cama
e o deslizante rumor quase inaudível
cortado por um clique mecânico
um cheiro a folhas mortas apoderava-se da superfície
como se alguma coisa mais longínqua
ficasse presa daquele artifício

Tenho também uma história cómica com ratos
que me causou hora e meia da maior vergonha
reuni em minha casa alguns técnicos de saúde
e voluntários dessas causas
para projectar uma ajuda às prostitutas
e um rato circundou, um por um, os sapatos dos presentes
e tentava subir os degraus da escada numa necessidade
que se diria invencível
as pessoas eram educadas e fizeram todas de conta
mas eu estava para ali
afundado num desespero

Quando por vezes vejo tombar
pelos altos degraus da vida
procuro pensar nos dois ou três interesses que me restam
entre eles Santa Teresa e o drama das prostitutas.

José Tolentino de Mendonça in A Noite Abre Meus Olhos

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