15 outubro 2011

Ode ao Surrealismo por Conta Alheia

Que levas ao colo,
embrulhado em sarrafaçais transcritos mau olhado
           [abomináveis trutas e outros preconceitos?
Um sacerdote? Um gato? A timidez?

Que transportas silencioso, imóvel, como dormindo,
                                [no chaile pespontado e verde
                            [com que limpas o suor, o sémen,
                             [as fezes, tudo o que abandonas,
                       [ofereces, vendes, expulsas, injectas,
                      [convocas, reprovas, descreves, etc.?
Embalas e não respondes.

Temes a polícia, o tapete, o capacho, o telefone, as
                            [campainhas de porta, as pessoas
                          [paradas pelas esquinas reparando
                              [em por debaixo das roupas das
                                                [outras que passam?
Temes as palavras?
Temes que saiam versos, lágrimas, casamentos,
[satisfações apressadas em campos de arrabalde?
Temes os partidos, os artigos de fundo, os banqueiros,
                             [as capelistas, a inflação, as úlceras
                                            [do estômago ou sociais?

Que transportas ao colo
em silêncio e num chaile?

É a vida? Anúncios luminosos? Casas económicas?
          [O mar? Irmãos? Reivindicações? Um livro?
Embalas e não respondes.

É a vida? A noite que cai? As luzes distantes? Um gesto?
                    [Um olhar? Um quadro? Uma poesia lírica?

(Oportunamente interrompida pela chegada de uma pessoa conhecida)

Jorge de Sena in Antologia Poética

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