Que levas ao colo,
embrulhado em sarrafaçais transcritos mau olhado
[abomináveis trutas e outros preconceitos?
Um sacerdote? Um gato? A timidez?
Que transportas silencioso, imóvel, como dormindo,
[no chaile pespontado e verde
[com que limpas o suor, o sémen,
[as fezes, tudo o que abandonas,
[ofereces, vendes, expulsas, injectas,
[convocas, reprovas, descreves, etc.?
Embalas e não respondes.
Temes a polícia, o tapete, o capacho, o telefone, as
[campainhas de porta, as pessoas
[paradas pelas esquinas reparando
[em por debaixo das roupas das
[outras que passam?
Temes as palavras?
Temes que saiam versos, lágrimas, casamentos,
[satisfações apressadas em campos de arrabalde?
Temes os partidos, os artigos de fundo, os banqueiros,
[as capelistas, a inflação, as úlceras
[do estômago ou sociais?
Que transportas ao colo
em silêncio e num chaile?
É a vida? Anúncios luminosos? Casas económicas?
[O mar? Irmãos? Reivindicações? Um livro?
Embalas e não respondes.
É a vida? A noite que cai? As luzes distantes? Um gesto?
[Um olhar? Um quadro? Uma poesia lírica?
(Oportunamente interrompida pela chegada de uma pessoa conhecida)
Jorge de Sena in Antologia Poética
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