(...)
Deus não podia tirar os Seus olhos dessas mãos que a princípio Lhe pareceram dobradas como mãos orantes - mas a oração que jorrava delas forçou-as a afastarem-se.
Um silêncio caíu dos céus. Todos os santos acompanharam o olhar de Deus e como ele observavam a sombra dessa Itália meio escondida, e os hinos dos anjos congelaram-se nos seus lábios e as estrelas tremeram, pois recearam ter feito algo de errado e esperaram humildemente pela palavra irada de Deus. Mas nada disso aconteceu. Os céus abriram-se em toda a sua largura sobre a Itália, de modo que Rafael estava de joelhos em Roma, enquanto o bem aventurado Fra Angelico se erguia numa nuvem e se regozijava pairando sobre ele. Nesse momento muitas orações subiam da Terra. Mas Deus reconheceu apenas uma coisa. A força de Miguel Ângelo ergueu-se até si como a fragância das vinhas. E permitiu que lhe preenchesse os pensamentos. Curvou-se ainda mais baixo, encontrou o homem esforçado, olhou por cima do ombro para as mãos que pairavam à escuta perto da pedra e começou:
As pedras têm almas? Por que estava este homem a escutar as pedras?
E agora as mãos despertaram e partiram a pedra como um túmulo, em que uma voz fraca, moribunda estremece. «Miguel Ângelo» clamou Deus, «que há nessa pedra?» Miguel Ângelo escutou. As suas mãos estavam a tremer. Depois respondeu com voz abafada: «Tu, meu Deus, quem mais?» (...)
Rainer Maria Rilke in Histórias de Deus
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